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" "Carpe Diem" quer dizer "colha o dia". Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente."

Rubem Alves

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domingo, 27 de julho de 2008

Fim das Férias!!

Estou ensaiando o que postar nesta noite de despedida das férias escolares. Mas vamos lá... terminar este domingo com uma crônica para alimentar a alma.


Arroz-doce

Como o sabor de uma receita, de um doce preferido, mexe com a gente

Walcyr Carrasco




Certos sabores ficam guardados em um canto em que a lembrança se mistura com a emoção. Eu nunca vou me esquecer do arroz-doce com canela de minha mãe. Simplesmente, arroz cozido no leite, polvilhado com canela em pó. Não era doce de festa. Mamãe tinha um bazarzinho no interior e pouco tempo para a cozinha. Empregada, nem pensar, naqueles tempos difíceis. Morávamos em uma casa atrás da loja, e a porta da cozinha dava justamente para o balcão. Ela botava a panela no fogo e ficava com um olho na receita e outro na loja. Às vezes chegava uma freguesa, desatava a conversar. Que lugar melhor para saber as novidades do bairro, quem vai se casar ou quem se separou, do que o balcão de um bazar de cidade pequena? O leite fervia, derramava. Muitas vezes, depois do jantar, vinha o arroz-doce passado do ponto, com um gostinho de açúcar queimado. Meu pai se divertia.

– Esqueceu no fogo?

Eu gostava assim mesmo. Repetia.

O pudim de minha avó paterna também está entre minhas recordações prediletas. É uma receita antiga, espanhola. Pudim de leite com queijo parmesão assado em banho-maria. Vovó era mestra na cozinha. Orgulhava-se. Quando vinha nos visitar, mamãe avisava.

– Não se esqueça de pedir o pudim.

E não? Era a primeira coisa que eu falava.

– Vovó, faz pudim?

Feliz pelo reconhecimento, ela voava para a cozinha.
Muitos anos depois, o pudim seria o tema de um ato de generosidade de minha mãe. Eu já era adulto. Morava fora de casa. Vovó velhinha. Fui visitar a família. Cumpri o ritual. Pedi o pudim.


Vovó foi para a cozinha. Passou horas. Mais tarde, confessou, desanimada:
– Desandou.

Olhou para as mãos, triste, sentindo que já não eram as mesmas.

Dali a algum tempo, mamãe apareceu orgulhosa com um pudim, ainda quentinho.

– Mas não tinha desandado? – estranhei.

– A culpa foi minha, que tirei antes do forno. Botei para assar mais um pouco e ficou bom! – explicou ela.

Vovó estranhou. Mas sorriu.
Mais tarde, quando estávamos sozinhos, mamãe confessou.

– Fiz outro escondido, para ela não ficar triste.
Já começando a adoecer, vovó precisava daquela pequena vitória.

Nunca mais pedi o pudim. Muito tempo depois, consegui achar a receita, idêntica, em um antigo livro de cozinha. Também não tive coragem de fazer, pois, só de pensar nele, me lembro desse dia, do desencanto de vovó, de seu sorriso e do gesto de mamãe. Sinto uma estranha emoção.

E ovos fritos, com a gema mole? Quem não gosta? Quem não sente saudade, depois que o colesterol começa a subir? Quando como ovos fritos, sempre me lembro da infância. Para muitos amigos é assim. Pratos simples remetem a sensações do dia-a-dia, quando a família toda se sentava em torno da mesa. O jantar era, simplesmente, o momento de estarmos juntos. Uma amiga lembra-se com emoção das festinhas de aniversário. Cada ano, a mãe escolhia uma cor. Uma vez rosa, outra azul, verde... Bolo, docinhos, vestido, tudo do mesmo tom! Balas de coco em cascata. Quem não tem as balas de coco guardadas na memória? Já vi senhores comportados atirar-se sobre bandejas de docinhos de brigadeiro. Quem sabe, revivendo a alegria dos tempos de infância!

É fato. A lasanha ao forno, o frango assado, o prato feito do jeitinho que só a mãe sabe, isso tudo é inesquecível! Com a passagem dos anos, a vida muda. A gente se distancia. Ou as pessoas se vão para sempre. Ou, então, ela já se foi. O sabor de uma receita, de um doce preferido, mexe com a gente. Dia das Mães. É uma excelente data para eu fazer uma panela de arroz-doce. E trazer de volta a sensação dos abraços, dos gestos de carinho, e de tudo que eu nunca perdi, porque continua vivo dentro de mim.



Fonte: http://veja.abril.com.br/vejasp/140503/cronica.html > acesso em: 27/07/2008.



Agora vou dormir, pois amanhã começa a saga... acordar as 05h30, todos os dia.

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